O Brasil é o 5º país com mais obesos no mundo e quadro já é visto como epidêmico.
O sobrepeso e a obesidade vêm ganhando destaque no cenário epidemiológico mundial, não só em função da sua prevalência crescente, mas, principalmente, por estarem associados a uma série de danos à saúde. Estudos recentes mostram que a obesidade é o terceiro problema de saúde pública que mais demanda gastos da economia brasileira, estando à frente até do tabagismo. Estima-se que os gastos giram em torno de R$ 110 bilhões, o que equivale a 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Outra característica marcante do crescimento epidêmico do excesso de peso é o aumento deste agravo em idades cada vez mais precoces. Em 2004, já se estimava que 10% das crianças e adolescentes do mundo apresentavam excesso de peso e que, dentre elas, um quarto eram obesas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15% das crianças brasileiras com idade entre 5 e 9 anos têm obesidade atualmente.
Mudanças no padrão de alimentação e de atividade física, ocorridas em diversas sociedades, contribuem para o aumento do excesso de peso na população. Entretanto, as causas determinantes do excesso de peso compõem um complexo conjunto de fatores biológicos, comportamentais e ambientais que se interrelacionam e se potencializam mutuamente. Para crianças e adolescentes, são exemplos desses fatores as condições e situações presentes nos ambientes escolar, familiar e na vizinhança. Destacam-se ainda as características presentes na gestação e no início da vida, como o estado nutricional materno prévio à gestação, o fumo durante a gravidez e o estado nutricional na infância.
Em 2009, realizei junto com outros pesquisadores um estudo para identificar fatores socioeconômicos, ambientais e comportamentais associados ao excesso de peso em adolescentes. Para isso, fizemos uma revisão sistemática da literatura existente sobre o assunto. Após pesquisa, identificamos 942 resumos ou textos completos sobre o assunto. Por meio de alguns critérios de eliminação, como faixa etária avaliada e apresentação de fatores associados ao excesso de peso, chegou-se ao número de 56 artigos.
Neste estudo, observamos que os principais fatores socioeconômicos, ambientais e comportamentais associados direta ou inversamente ao excesso de peso entre adolescentes, até aquele momento estudados, foram: o nível socioeconômico das famílias; alguns comportamentos relacionados à alimentação, principalmente os referentes à restrição do consumo alimentar e do consumo do desjejum; a frequência e a intensidade de atividade física e o tempo despendido em atividades sedentárias. O estado nutricional anterior do adolescente e o estado nutricional dos pais também se mostraram condições relevantes para a ocorrência de sobrepeso ou obesidade na adolescência.
Alguns dos estudos selecionados apontaram uma chance mais elevada de ocorrência de excesso de peso entre adolescentes com pelo menos um dos pais obeso ou que apresentaram sobrepeso na infância. Uma pesquisa realizada com crianças também identificou a presença de excesso de peso nos pais como fator de risco para obesidade. A interação entre uma complexa rede de genes associados à ocorrência da obesidade e os ambientes que favorecem sua expressão tem sido apontada como justificativa para a ocorrência da obesidade entre indivíduos da mesma família.
Observou-se que o nível socioeconômico associou-se inversamente com o excesso de peso em países desenvolvidos e de forma direta em países em desenvolvimento. Dieta para emagrecer, número de horas alocadas em TV/vídeo por dia, mãe e/ou pais obesos e ocorrência de sobrepeso ou obesidade na infância associaram-se diretamente com o excesso de peso na adolescência. Foram identificados como fatores protetores o hábito de consumir desjejum e a prática de atividade física. Deste modo, as variáveis socioeconômicas, comportamentais, familiares e do início da vida devem ser consideradas nas intervenções dirigidas para este agravo entre adolescentes.
O aumento do excesso de peso entre os jovens de diversas regiões do mundo é uma realidade incontestável. O reconhecimento da complexidade de seus determinantes e a mobilização de diversos setores da sociedade para a formulação de ações de promoção à saúde e prevenção deste agravo é um dos desafios atuais na agenda da saúde pública mundial. Apesar das limitações na comparação e na análise dos estudos selecionados, a revisão que fizemos aponta um conjunto de fatores socioeconômicos e comportamentais que se mostraram associados ao excesso de peso entre adolescentes e que são passíveis de intervenção, além de evidenciar grupos populacionais nos quais a chance de ocorrência deste agravo é maior.
Intervenções dirigidas aos adolescentes, tanto em nível coletivo quanto em nível individual, e que levem em conta os fatores identificados se fazem necessárias. Além destes, outros fatores de natureza ambiental, cultural e política ainda pouco explorados devem ser considerados, dada a complexidade e dinamismo da rede de determinação do excesso de peso neste grupo etário ainda muito permeável às alterações vividas pelas sociedades.
O Prêmio Jovem Cientista deste ano fez um convite aos jovens para que pensem a segurança alimentar e nutricional em sua própria esfera. Soluções para a obesidade são urgentes a começar pelos casos em crianças e adolescentes. Só no Brasil, sete milhões de adultos têm obesidade mórbida e não queremos que esse número aumente ainda mais. Somos 5º país com mais obesos no mundo e é preciso reverter este quadro.
* Letícia de Oliveira Cardoso é nutricionista e pesquisadora em saúde pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz
Matéria publicada no site Época